quinta-feira, 1 de maio de 2008


Desisto! Não dá mais! Já desisti tantas vezes João, mas agora é sério – ela dizia sentada no sofá, com a mão no rosto, rosto nos joelhos, joelhos em jeans, encharcado de lágrimas – Não consigo João, me desculpe por me desesperar assim, vir até aqui, até a sua casa as 6 da manhã, mas já te disse né? Não consigo dormir! mas você sabe, sabe bem, tanto quanto eu que, não consigo mesmo é estar acordada – eu realmente o sabia, Marieta não dormia, seu pesadelo era estar acordada - João! Quinze anos! Quinze que não durmo, que não pisco. Por que preciso sempre estar tão alerta assim? Olhos-câmera ligados vinte e quatro horas por dia a testemunhar o que se passa aí fora, se onde mais há acidentes, fraturas, choques, colisões, traumas, é tão aqui dentro? Me responda Joãozinho! Heim? Te conheço há tanto tempo né não? Me conhece bem. Desde meus quinze e seus dezesseis compartilho junto a ti a tristeza do meu sono que não vem, e hoje, de novo estou aqui, nesse sábado, eu trinta você trinta e um, te acordando através de minha insônia. – Marieta já havia tentado pílulas, psicólogos, médicos gerais, tarô, numerologia, curso de russo, matemática, até as aulas que mais dão sono, aquelas que se fazem pra tirar carteira de motorista, até essas, mas é difícil cerrar os olhos de Marieta.- Olha Joãozinho, me desculpe... - me disse olhando nos olhos, e que olhos tímidos tinha Marieta, alguém com olhos tão cheio de olhares, que lutava pra esconder a timidez atrás das cortinas feitas de pálpebras. Olhos grandes, arregalados, mas tímidos, de uma escuridão profunda, molhados de lágrimas, de sal, como era doce olhar seu olhar -... me desculpe mesmo, viu Joãozinho, não vou mais tomar seu tempo, roubar teu sono, são seis horas da manhã de um sábado que sucede uma sexta-feira de muito trabalho teu, preciso ir, precisa dormir. – levantou do sofá, veio até mim no sofá que estava de frente ao seu, beijou minha bochecha esquerda, quando sinuou que fosse embora, voltou e lambeu meus olhos, os contornos das pálpebras inferiores e superiores – me desculpe de novo Joãozinho, faz quinze anos que meus olhos só me dão paladares lacrimais, quando vi tuas remelas não agüentei, Joãozinho. Quando criança, pequenina, meu prato preferido era remelas de uma longa ou curta noite de sono, bem ou mal dormida, mas ainda sim, de sono. Vou indo embora João... – levantei, peguei Marieta pelo braço, sem falar nada pedi que sentasse novamente no sofá, sentou, sentamos, sua cabeça em meu ombro, sentimos. – Marieta ... – peguei sua mão direita, e a acariciava, sentia os ossinhos, veias, cicatrizes, unhas grandes, esmalte descascado... , era como se os detalhes ali é que fosse crucial, cada átomo por si só era uma pontuação, uma entonação diferente do que eu pretendia dizer, mas não sabia o quê, leria o que sairia de minha boca nas linhas tortas de suas mãos. Eu precisava dizer algo, faze-la me sentir ali naquela hora, era algo que queríamos e precisávamos ambos, eu e ela. – Marieta, você já leu sobre aquelas curiosidades que dizem que se somadas as horas de sono de um ser humano ao decorrer de sua vida, totaliza sei lá quantas mil horas? Não sei ao certo se são mil, mas são tantas... – Marieta, ali ao meu lado, não disse nada, continuou a brincar com meu anelar e me ouvir -...então, já pensou se você ao contrário de nós que dormimos tantas horas divididas no decorrer da vida, receberá todas suas sei lá quantas mil horas de sono de uma vez só? – Marieta se levantou, sorriu pra mim e para si, beijou meu rosto, tirou um restinho de remela que sobrara no meu esquerdo com o indicador e foi em direção a porta como quem vai sem volta, voltou os olhos pra mim e disse:
– ‘de uma vez só’ ou ‘de uma vez, só’, João?
– Você quem escolhe Marieta.
– Quero ambas.
Marieta saiu, assim, fechou a porta, os punhos, os olhos, e dormiu dali de fora, pra dentro. Só, de uma vez só.
Ao voltar pra cama, pois ainda eram quase sete horas. Sem remelas, sem Marieta, sem sono, no meio do caminho, desisti.



Posted by Postado por Gian Carlo às 00:23
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