quinta-feira, 29 de outubro de 2009


Fahrenheit 451, antes de ser um filme, é um livro escrito por Ray Bradbury, que ao lado de outros dois livros ( "1984" de George Orwell, e " Admirável Mundo Novo" de Adouls Huxley) compõe três obras que criticam a maneira como a sociedade moderna é organizada. François Truffaut, adaptou o livro para o cinema, o que tornou a história conhecida mundialmente. Esta obra conta a história de uma sociedade futurista, fictícia, que vive sob um regime totalitário e opressor, em uma época em que os bombeiros ao invés de exercerem a função de apagar fogos, queimam qualquer tipo de material impresso (livros, revistas, enciclopédias, etc) que forem encontrados. Nesta sociedade a televisão funciona como um meio de comunicação de massa e um aparelho ideológico de Estado, ao lado dos bombeiros que queimam livros e funcionam como um aparelho repressor do Estado. Apesar de nesta sociedade o livro ser considerado algo maléfico, a história do filme mostra o contrário, mostra que a televisão, um meio de comunicação de massa que chegou a ser considerado pelos telespectadores como uma família, um meio de comunicação de massa que se refere ao público como "primos", é quem torna as pessoas anti-sociais. Nesta sociedade não há um olhar crítico (salvo algumas exceções) a respeito deste objeto que têm no meio da sala, as pessoas aceitam e absorvem todo conteúdo por ela apresentado, sem perceberem que este conteúdo representa os valores da classe dominante. Não há lugar para livro nesta sociedade, estes são considerados repugnantes, proibidos, causadores da infelicidade, do isolamento social, esta idéia é percebida na cena em que Linda, sente repulsa e medo, ao ver os livros que seu marido Montag lê. Mas apesar do discurso feito pelos bombeiros de que o livro é quem causa isolamento social, no desenrolar do filme vemos o contrário, nesta sociedade qual vivem é que estão submetidos ao isolamento. De acordo com idéia do estudioso Habermas, fora do convívio doméstico, da igreja, do governo, existe um espaço de interação social para que as pessoas discutam suas vidas, este espaço é denominado por ele de Esfera Pública, porém este espaço vem se diminuindo sob influência das grandes corporações e do poder da mídia, o que gera desinteresse e apatia na população. É justamente o que acontece na sociedade do filme. Nesta população as pessoas não conversam, não discutem suas vidas, são fechadas, individualizadas, distantes umas das outras, chegando ao ponto de acariciarem a si mesmos. O filme é uma ótica perfeita, a respeito dos poderes que tem os meios de comunicação de massa, os poderes que a burguesia tem de manter o controle sobre toda sociedade, por meio de uma cultura hegemônica (termo usado pelo pensador Antonio Gramsci) na qual os valores e interesses particulares da burguesia se tornam o "senso comum". É um clássico, que embora seja dos anos 60, nos ajuda a entender a sociedade atual na qual vivemos. É uma estória que prevê a importância de sermos crítico em uma época em que todos estão acomodados. François Truffaut, apesar de bem radical, tem como proposta , assim como pretende a crítica do pensador Hebert Marcuse, desmascarar as formas de dominação política de uma sociedade, que sob a forma de um mundo cada vez mais modelado pela tecnologia e pela ciência (o filme está repleto de inovações tecnológicos, como televisões grudadas na parede, uma medicina que é capaz de trocar todo o sangue de um individuo, etc), manifesta-se a irracionalidade, um modelo de organização que subjuga o indivíduo, em vez de liberta- lo. Esta obra é a perspectiva de uma sociedade, que mesmo não sendo idêntica a que vivemos hoje, tem muitas semelhanças que muitos não percebem ou fingem não perceber.

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sábado, 14 de fevereiro de 2009


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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009


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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009


o disco do miltom numa casa que vazia esteja,
na companhia de um que amigo seja,
garrafa de vinho virada na boca,
vinho seco na secura da jugular:
esmaga e amarga
dor
é essa dor de não te-la
tristeja onde eu
dor.

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projeta-me,
projet-ame,
proteja-me,
protej-ame,
procura-me,
procur-ame.
ou cura-me.
dessa Lou
cura, cura?
dessa amar
gura, cura?
porque eu

não me curo
escureço.

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terça-feira, 27 de janeiro de 2009


No bosque da Princesa
estive atoa
com pessoa nenhuma
além de mim e Pessoa

Pessoa e eu
Na beira do rio
Vem a dor de não ter ninguém
Um alguém a minha pessoa.

Que minha pessoa se juntasse à tua.
Que fosse minha pessoa,
e eu a tua.

No Bosque, sem princesa
me sinto só
Sem a pessoa tua
Só me resta a pessoa de Fernando,
que é Fernando Pessoa.


* Bosque da Princesa é o nome de um bosque de Pindamonhangaba-SP

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quarta-feira, 10 de dezembro de 2008


Durante os cinco anos em que sustentava como podia aquele emprego na Agência dos Correios subindo e descendo ladeira montado na bicicleta amarela, que fazia chegar um pouco menos atrasadas, as cartas dos remetentes às mãos dos destinatários, José Carlos não havia visto coisa tal parecida como a que viu naquele dia, com certo estranhamento. O fato é que José, o carteiro, no momento em que passava o envelope branco pela fresta de uma caixinha de correio , viu de relance, ainda antes da correspondência cair pro lado de dentro, que o endereço da pessoa que a enviou, era o mesmo (com uma unidade acrescida no número da casa) endereço da pessoa que agora a recebia. Procurando uma explicação para o fato de alguém enviar cartas a um vizinho, matutando os motivos que levaria a uma pessoa fazer chegar pelo correio o que pelas próprias mãos chegaria mais rápido, empurrou, ainda sob o efeito do estranhamento, a bicicleta com a sacola de envelopes para próxima residência que haveria de diminuir em algumas gramas o peso que carregaria pedalando de volta pra agência no fim do dia. Era uma casa azul, vizinha a casa anterior, José meteu a mão na sacola, puxou de lá a carta, e de novo o relance de ver que o endereço de quem a enviava, era o mesmo (só que dessa vez com uma unidade subtraída no número da casa) endereço da pessoa que a recebia. Naquele mesmo dia, de noite, enquanto sua mulher tinha misturado às lágrimas o reflexo das cebolas que descascava, José, que sempre sentava a mesa da cozinha enquanto a mulher preparava a janta, pra contar as coisas que via enquanto pedalava pelos morros da cidade com sacola de correspondências, disse:
– Ora mulher, não sabe o que aconteceu hoje! Enquanto punha na caixa de correio de uma casa que fica lá pros lado do bairro norte, eu vi que quem enviava era o próprio vizinho, e como se já não bastasse, quando passei pra casa do lado, era esta agora que era o destinatário de quem a pouco foi remetente. Não acha curioso?
A mulher, que agora jogava as rodelas de cebola misturadas aos cubos de carne no óleo da panela, depois de fingir que refletia sobre o que o marido havia dito, enquanto mexia tudo com a colher de pau, só podia concluir o que nesses cinco anos concluía quando o marido se punha a conversar uma conversa que só ele falava e ela fingia que escutava:
- Essas coisa acontece, bem.
José Carlos, que não percebia a indiferença com que a mulher respondia sempre as mesmas frases pra ver se ele parava de falar um pouco, pôs–se a falar ainda mais:
- Acontece? Ora, não sabe mesmo o que diz mulher, se é certo que são cinco anos que leio endereços de quem manda e quem recebe, é certo também que nesses cinco, é a primeira vez que vejo na distância que separa o endereço da frente do endereço do verso, o espaço de pouco menos que alguns passos. Já é estranho que se comunique por carta duas pessoas cuja distância que separa os corpos não ultrapassa mais que alguns metros, e que bastasse a um dos interessados tirar a bunda do sofá e gritar o vizinho no portão para que este saísse, e tivessem ali um dialogo de dez minutos que o grafite de um lápis inteiro não escreveria no papel. Eu ainda poderia supor que esses dois sustentam uma paixão pela palavra escrita, e que portanto, compartilham um com o outro tanto a paixão de escrever, como a paixão de ler e ser lido, mandando e recebendo cartas, mesmo que estranho seja o fato de estarem vivendo um ao lado do outro. Mas aí se utilizarem dos serviços do correio pra fazer chegar, com dias de atraso, as cartas, que se eles mesmos estivessem dispostos a levar um a casa do outro poderiam ser lidas antes mesmo que a cola que fecha a correspondência secasse no envelope, me parece algum tipo de zombaria com velho bobão aqui, que pedala, pedala, pedala, pra atravessar a cidade e por embaixo do nariz de ambos o que na verdade já lhes estão ao alcance das mãos. Mas é pra isso que sou pago né? Fazer o que. Deve ser culpa dessas propagandas do Correio que vêm passando no intervalo das novelas, aquela que mostra cruzando o céu do Rio de Janeiro um avião que tem no lugar das rodas, duas patas de pombo que seguram uma carta, e deixam cair nas mãos do Cristo Redentor, o envelope com o carimbo que promete agilidade. Deve estar iludido mesmo esse povo que pensa que suas cartas serão levadas por aviões de um bairro para o outro, quando na verdade, nessa cidade nossa que nem pista de aterrissagem tem, é a bicicletinha velha do Zé aqui, que transporta o assunto dos outros.
José se calou um pouco enquanto espetava os palitos de dente na toalha da mesa. A esposa, que dessa vez deixou de prestar atenção no chiado da panela pra ouvir um pouco o homem que escolheu pra viver junto há vinte anos, era da opinião de que:
- Ah José, cinco anos que faz chegar aos olhos de uns, a caligrafia de outros, e ainda não aprendeu que nas linhas de uma carta cabem tanto de nós mesmos que já as cordas vocais não podem vibrar, assim como cabem nas nossas vozes, talvez mais por uma variação de entonação do que pela escolha de palavras, tanto de nós mesmos que já não o verbo escrito pode expressar. Deixe que esses dois compartilhem entre si essas mensagens, e cumpra seu papel de mensageiro sem reclamar. Ora, de qualquer jeito você vai praqueles cantos entregar a carta de outros mesmo, aproveita e entrega as cartas desses dois aí. Afinal, como você mesmo diz, Fazer o que? É pra isso que você é pago né? E pense que, não fosse esse pagamento que vem no fim do mês, não teríamos hoje aquela panela cheia de carne e cebola, que as crianças tanto gostam.
A mulher disse isso com as mãos postas sobre a mão do marido, que segurava a metade do palito. Quando terminou, saiu e foi chamar as duas filhas que estava no quarto trocando as cabeças das bonecas. José comovido com as palavras da mulher que escolheu pra viver junto há vinte anos, e que há vinte anos não punha sua opinião posta a mesa como pôs naquele dia, percebeu mesmo que a esposa tava certa, a situação era pouca água no copo pra tanta tempestade. Entre uma e outra censura da mãe que corrigia as filhas por brincarem com a comida, José até pensou que seria excitante ser intermediário daqueles dois que se escreviam. Ignorava os motivos, e o conteúdo das cartas, se fosse para dar um palpite, Zé diria que estaria ali o inicio de um romance. No correio há cinco anos, sustentava uma pança que não perdia jamais com os esforços montado o dia inteiro na bicicleta. Quando já havia mandado pro estomago toda carne que havia no prato, enquanto palitava os dentes tirando os fiapos que ali insistiam em ficar,ainda na mesa, de frente pra esposa que dava de comer na boca da mais nova, pensou na semelhança física que ele tinha com um pombo, e como um pensamento leva a outro, pensou que não seria nada mal se aqueles dois, caso fossem mesmo, dois que se amavam, fizessem dele, o pombo-correio. Afinal, ele que olhava a esposa desmanchando a carne pra filha digerir melhor, percebia que era eternamente grato ao homem que há vinte anos fazia com que seus bilhetes chegassem até a mulher que o fazia revirar nos lençóis marcando o encontro escondido atrás do muro da igreja durante a missa de domingo, a mesma igreja em que se casou, com a mesma mulher pra a qual agora olhava com cara de eu te amo.

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domingo, 16 de novembro de 2008


Parte 1.

Um helicóptero acompanha a linha do horizonte quase a tocar o mar daquele litoral, as hélices giram, o que permite ao piloto do corpo de bombeiros violar aquela lei nomeada gravidade. Nada de catastrófico aconteceu, se o piloto passa a uma velocidade baixa e a uma altura que não estamos acostumados a ver um helicóptero passar, é para que os dois salva-vidas que o acompanham possam observar mais de perto se existe a vida de alguém a se afogar nas ondas do mar, dois braços abertos pro alto e um grito de socorro, que vira e mexe, justifica o nome da profissão do herói que salta em pleno vôo, e se abraça ao dos braços abertos. De dentro do helicóptero, os dois que procuram qualquer coisa que seja motivo de alarme no mar, só enxergam o infinito das águas, e pra não se encontrarem hipnotizados pelo balanço do azul, às vezes lançam um olhar pro continente, vêem de relance uma aquarela de guarda-sóis mesclada ao branco da areia povoada por umas mãos que acenam. Tudo isso muito rápido, como uma vírgula que organiza a concentração do olhar, e de novo um azul imenso está refletido nos castanhos dos dois.
Nada sabem os que estão em terra firme o que no helicóptero se passa, nem por que passa. Os do continente, curiosos, pensam estar diante de um filme de ação, sentados na primeira fileira de um cinema, com a diferença de que ali, poltronas são substituídas por cadeiras de praia, a sessão é gratuita, não há censura, e a escuridão da sala é iluminada pelo sol, cujos raios das catorze horas não encontram obstáculo algum e vêm como flechas de pontas abrasadas a incendiar a pele dos mais claros. Colocasse alguém uma lupa entre o sol e uma carreira de dez formigas que marcham rumo ao açúcar que restou na madeira do picolé, e teríamos somada a areias milenares, uma dezena de grãos pretos diante do palito não alcançado.
Os do helicóptero, ocupados na sua tarefa de encontrar os que se afundam na água movediça, mal sabem que são astros de um filme imaginário que se passa na cabeça daqueles que acenam, em geral crianças, que se ocupam das mãos pra segurar o balde com uma e dar “tchau” com a outra, que possuem o sorriso, os dentes de leite, inigualável de uma férias de verão, desses que ficam registrados nas fotografias de uma época feliz. Crianças que não sabem que o herói de regata vermelha que risca o horizonte não cumpre nada mais que mais um dia da rotina de seu trabalho. Crianças que querendo ter o tamanho e a idade de seus pais, mal sabem que quando adultos, naquelas horas em que resolvemos tirar a teia de aranha dos arquivos da memória, com o álbum de fotografias nas mãos, o ato de folhear uma página e outra se interrompera em uma: a que tem um menino mostrando pra câmera um helicóptero que passou. E aí será inútil qualquer esforço que impeça algumas gotas de lágrima que caiam justamente na parte da fotografia que ficou registrado o mar.
Assim o helicóptero passou, borrifando e bagunçando as águas a seu redor, como se voasse baixo em um campo aberto despenteando os cabelos louros de um milharal. Lento e baixo, sem dar às crianças que assistiam, o clímax tão esperado que ocuparia várias linhas da redação que escreveriam quando a mão que segurava o balde, segurasse o lápis, obedecendo ao tema das férias, em dias de aula. Passou, e quantos meninos e meninas não diriam entusiasmados aos pais no fim da tarde, entre uma reclamação e outra porque a pele ardia, que quando fossem gente grande, pilotariam helicópteros. Vendo no horizonte apenas a linha que limita o céu e o oceano, e não tendo mais para quem nem para o que balançar os braços, as crianças de pé ali onde a água vira espuma, se voltaram todas de costas pro mar e retornaram para os castelos que haviam abandonado quando ouviram as asas de uma vespa gigante a vibrar no céu. Surpresas ,viram que a água havia se aventurado por terras a mais, e iniciaram de novo, juntas, a construção de vários reinos.

Parte 2

Algumas nuvens cobrem o sol presente naquele ponto do céu que todos os dias é esperado que lá esteja, sempre as dezesseis horas. O grupo de amigos que se juntaram no interior e tomaram o ônibus pro litoral somam nove, número ímpar, portanto alguém viajou ao lado de uma poltrona vazia ou de um desconhecido, improvisando diálogos e emendando assuntos, ou então, no caso mesmo de uma poltrona vaga, distraindo os ouvidos com a música do fone e os olhos com as curvas da serra, afinal, ninguém fala com o espaço onde deveria estar algum, mas com um, ser - humano. Esse alguém é Maria Clara, fez boa viagem, o estômago, que geralmente se comporta como um cão que não atura o sacode de um trem, nem sinal de vida dera no balanço do busão. Estômago dopado como se dopado estivesse aquele cão. Cinco pela escada e quatro pelo elevador – Quem chegar primeiro vence! – alguém gritou, e perdedores foram os que apostaram nas pernas, porque a eletricidade ganhou. Reunidos os nove no corredor, o que emprestava a casa girou a chave no trinco, e um por um com malas e tralhas nas mãos, entravam depois de passadas a sola dos sapatos no tapete, que mal dava boas-vindas no bordado verde já era pisoteado no limiar daquela porta que já a chave abriu. Conhecido os quartos, estendido os lençóis, sem ter mais o que retirar das malas, cada um teve na parte inalcançável das costas, o protetor branco espalhado pelas mãos do outro, e nos rostos, espalhado pelas próprias mãos. Era decisão dos nove, que os nove deveriam ir naquela hora ter o primeiro contato com a praia. E naquela hora desceram todos pro térreo, munidos de cadeiras e guarda-sol, loucos pra se encontrarem com a água. Enquanto iam caminhando, lá trás ficava no apartamento os objetos pessoais de cada um dispostos em cada canto da casa, a receber o vento que balançava a saia das cortinas. Um ladrão que ali entrasse, descobriria nos objetos, os segredos de cada um.

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quinta-feira, 10 de julho de 2008


*texto baseado em um sonho.

Mantínhamos nossa amizade a base de vodka, cigarros, você, eu, e a Milena deitada debaixo da mesinha de centro, invariavelmente às noites de sábado na sala do meu apartamento. Lembro-me que nos primeiros sábados, o agosto no qual ainda não nos conhecíamos intimamente, e você era tão novidade pra mim quanto eu pra você, enquanto separava da caixa de leite um copo pra mim e uma tigela pra Milena, eu corria da cozinha pra sala e atendia ao telefone. Era você me ligando logo cedo, me pedia um pedaço daquele sábado, um pedaço da minha sala, do meu sofá, e não pedia pedaço algum de mim, porque desde o dia em que nos conhecemos lá no pátio do Departamento de Letras, já sabia que me tinha, sem precisar pedir. E eu dizia que sim, você pode vir em casa nessa noite, e marcávamos as oito. As oito o interfone tocava, o elevador subia, você: uma garrafa de vodka na mão, um maço de cigarros no bolso, na porta do meu apartamento. Compartilhávamos a vodka do mesmo copo, pra acender os cigarros, a chama do mesmo fósforo, e falávamos pouco em meio aquele sentimento de fracasso que sentíamos por de domingo a sexta termos em nossos diários, páginas de um deserto, e aos sábados a introdução de dois personagens, que morrem de sede, cansados por não ter o que escrever. Dois meses depois, o telefone nem tocava mais, a certeza de que você apareceria em casa de noite, era tão certa quanto à incerteza que eu tinha das coisas, todas as coisas, exceto o fato de você vir, sempre vir. Sei que são dois meses porque faço das garrafas vazias enfileiradas, o calendário de nossa amizade, uma para cada semana, a décima tem no rótulo a marca do batom seu: o dia em que você chegou sem avisos, e da sacada que dava pra rua, beijou a garrafa enquanto olhávamos o movimento das quatro patas de Milena que sem esforço, sem dificuldade alguma, andava de um lado para o outro, equilibrada no peitoril do sétimo andar daquele prédio, diante de nós, desequilibrados, alcoolizados, imaginando que se saltássemos dali pra baixo, talvez cairíamos em espiral, que se saltasse eu, só existe um que sentiria minha falta: você; que se saltasse você, só existe um que sentiria sua falta: eu; e que pra evitar tais ausências em nossas vidas, no dia em que saltasse um, saltaria também o outro, sem deixar bilhetes. Dois meses foram o tempo que levou para sentirmos um pelo outro algo que nunca havíamos sentido por ninguém, por nada, nem por nós mesmos. Éramos sensíveis um ao outro, sem permitir que palavras descrevessem tal sentimento. Talvez de uma forma racional, palavras como, amor, amizade, compaixão, cumplicidade, carisma, e outros clichês, fossem perfeitamente cabíveis a aquilo que dentro de mim pedia você, e vice-versa; mas preferíamos acreditar que o que vivíamos era um relacionamento sem nome, definição, signos, indecifrável, e intraduzível. Particularidade minha e sua por outros jamais explorada, é esse sentimento que experimentávamos, adeptos dessa droga, que vicia, que não mata, da qual não quero me abster. Encontramos um no outro, o útero do qual renascíamos. Vivíamos o auge de nossos 20 e tantos anos, trancados, enclausurados, seis dias por semana em nossas profundezas abissais, a espera de uma frincha de luz que cortasse o escuro, e cortava, aos sábados. Houve um momento em que, isso que vivíamos juntos, tornou-se tão forte e tão vivo e tão maduro e doce, que simplesmente não conversávamos mais. Você chegava, e a única frase do dia era – trouxe a vodka? – e você respondia – com certeza. Foi nesse momento que o roteiro do drama que contracenávamos no meu apartamento, trazia no diálogo duas frases, secas, que dava início a uma improvisação que só terminava no dia seguinte, domingo. Improvisávamos em noite silenciosa, calma, câmera-lenta, que se desenrolava no tempo, proporcionalmente à fumaça do cigarro que subia no ar como um ritual de serpente, naja que sai do jarro hipnotizada pela flauta, até depositar no teto o veneno, a nicotina; à letargia da língua molhada de vodka; ao desenrolar da calda da gata Milena; e nos afogávamos na trilha sonora: Maré, de Adriana Calcanhotto. Extinguimos de vez as palavras de nossa comunicação.Não falávamos porque não sentíamos que precisávamos falar, afinal havíamos chegado juntos a um ponto em que sabíamos, que quando eu dizia – trouxe a vodka? – o escondido era – você me ama? – e quando você me dizia – com certeza – o escondido era – é pra sempre. Pensei em te dizer que você é a parte da minha vida da qual não me arrependo, a que valeu a pena, a que amei, a que fui amado, a parte que aprendi a deixar de falar do amor para senti-lo, e é por você ser todas essas partes que te digo que você não foi parte alguma, foi o todo do qual eu era feito. E agora sou pouco, sou resto, e sou ruína. Porque não somos mais nada. Porque no sábado passado você me disse que ia embora. Porque você foi, naquele sábado que sem motivos, explicações, e piedade, você me disse de dentro do elevador olhando nos meus olhos vermelhos de lágrimas, que no dia em que eu sentisse falta sua, que eu lhe escrevesse uma carta recordando isso que podemos chamar de “nós”, para que assim, você voltasse. E no momento em que nosso olhar foi cortado pelo fechar da porta do elevador, eu voltei pro meu apartamento, pra Milena, pra aquele sábado, sem você, sem mim mesmo, e percebi que ao passo em que morríamos, nascia uma carta, escrita que: Mantínhamos nossa amizade a base de vodka, cigarros, você, eu, e a Milena deitada debaixo da mesinha de centro, invariavelmente às noites de sábado na sala do meu apartamento.


Você ainda trará a vodka?

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domingo, 1 de junho de 2008


Em 1 hora de desabafo, vale salientar o trecho:
"... quero ir embora. ‘pra onde’?,você quis dizer ‘de onde’, certo? Quero ir embora daqui, pra um lugar que não seja aqui. E não me importa pra onde o trem me leve, irá junto dentro da mala essa minha vontade de sempre querer ir embora. Você sabe,taí na ficha em suas mãos, sempre foi assim,e ainda o é: rodo o mapa do Brasil inteiro sem nunca me fixar em parte alguma, sou eterno fugitivo de mim mesmo, e nunca quis ir-pra-lá, a questão é sempre sair-daqui. Do que fujo? Quando saí de São Paulo achava que dos meus pais e da fobia social; Curitiba achava que da solidão que era enxergar em um felino de nome Tico, a única aproximação afetuosa possível com algo vivo; Florianópolis, o absurdo que era de segunda a sábado ter que mandar duas carreiras no café da manhã, pra agüentar a temperatura baixa, o patrão no meu ouvido, e a dor na coluna no fim do dia por conta da cadeira sem encosto, na qual eu fazia vibrar a máquina de escrever sob minhas mãos tremidas de frio. Mas o difícil de assumir ao relar os sapatos no primeiro degrau do vagão, é que do que sempre fuji, não da pra esquecer na estação: eu. Eu sei que é me iludir pensar que, ao chegar em casa, abrirei um mapa, escolherei um ponto, e comprarei no guichê, a chave dessa algema que me prende onde estou, não importa onde esteja. E é por isso que estou aqui, doutor. Aos 30 anos, me curar dessa fase adolescente que com 18 alguns já me diziam que com o tempo vai passar,vai passar, vai passar... E passou viu, passou-se os anos, os pastos, as vacas, e as araucárias, por todas janelas pelas quais entrava o vento que dava formas aos meus cabelos, por todas janelas pelas quais eu via la na frente a linha férrea ainda fria a espera da máquina que vinha,e la trás a linha férrea já quente com saudade do trem que foi."
Fez-se um silêncio, ouvia-se apenas o riscar do lápis do doutor, na ficha do paciente.
- Temos quanto tempo ainda doutor?
- Agora são exatas 9 horas, acabou o tempo,semana que vem você volta? mesmo horário, às 8?
- Sim.
- Certo, pode sair por aqui – abriu a porta lateral da peça onde estavam.
- Sairei.
Sete dias se passaram.
Enquanto acomodava-se na poltrona com os braços apoiados nas janelas do trem das 8. Através das cortinas do Centro Terapêutico de Porto Alegre, o Doutor via o rastro de fumaça negra revelando-se por de trás das araucárias

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É que no meio do caminho, enquanto ia voltando pra casa, do outro lado da viela, ela eu vi. A moça que ultimamente não saía do meu pensamento antes de dormir, saía do bar acompanhada de dois homens e uma garrafa de vinho tinto que dispensava a taça e despejava o líquido, direto na boca. Onde iniciava a sua noite, terminava a minha: Rua 14 de Agosto. Não que eu esteja apaixonado por Cecília, mas é que ela me emprestou alguns livros aí, é mais velha, e já a vi escrevendo algumas coisas num caderninho, usa umas roupas, uns penteados, bagunçados conforme vive.Possui um jeito dela que quero pra mim, como amiga,lhe chamar de Ciça, gostaria de tê-la, assim, não sei, acho que um pouco mais por perto, mais em meus braços, em minhas fotografias, e meus segredos, dentro aqui, menos lá, d’outro lado da ruela de mão única, com ida, e sem volta.
Da penumbra do poste eu enxergava a luz nos seus olhos. O rosto vermelho resultado do álcool, saía dançando do boteco, saltitando sobre a sapatilha preta, um amigo de cada lado e braços entrelaçados, a marca de batom no bico da garrafa, a mancha do vinho no verde da saia, e eu no oposto sem saber se sentia mais ciúmes do barbudo da direita, do ruivo da esquerda, ou da garrafa.
Sumiram os três em busca de ruas mais largas sob o céu limpo do Vale do Paraíba, a espera do eclipse, que naquela noite aconteceria. E fiquei eu, no estreito do qual vou sendo, sem sono, de olhos abertos, luzes apagadas, dois travesseiros na nuca, e Cecília no teto, gira o vestido, entorna o vinho: senti o acre de vinagre, no nublado céu da minha boca.

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sexta-feira, 30 de maio de 2008


Talvez fosse a noite mais fria do ano, ele pensou, enquanto descia a ladeira rumo ao ponto de ônibus em passos rápidos, que só não eram ritmados por causa das poças que lhe forçavam um desvio de pernas. Estava absurdamente frio, o termômetro naquela sexta, naquela noite, marcava 4 graus, e ele descia, escondendo o frio das mãos nos bolsos da calça jeans, com a cabeça abaixada coberta pelo gorro da blusa, prestava atenção onde pisava onde não pisava, levantando a cabeça de vez em quando para ver lá embaixo uma pequena luz que piscava no ponto de ônibus, que visto ali de cima o fez imaginar um vaga-lume, até que de algumas piscadas apagou-se de vez, sobrando para ele que estava no meio da ladeira, nessa outra metade que restava, continuar descendo olhando as luzes dos postes refletidas no chão molhado, o ponto, e a fumaça branca que saia da boca e ficava pra trás, enquanto tremia, o corpo, os dentes, o rosto cortando o vento gelado que batia de frente. Ele; A Solitária maria-fumaça que descia os morros de Minas Gerais, se equilibrando entre os trilhos congelados. Um passo a pós o outro, uma poça após a outra.
Chegou ao ponto de ônibus, que possuía um banco, em que na ponta estava sentada uma moça, ele sentou-se na outra extremidade. Sentado, no relógio de pulso viu que eram 23 horas, tinha ainda vinte minutos para ficar ali, encolhido, passando o tempo, o frio, feito pombo, e de esguelha tentando descobrir qual nas mãos da moça era o livro cujas páginas, não fosse pela luz do poste ali no canto, teriam suas palavras apagadas na escuridão. Observou que a rua estava solitária, nenhuma pessoa indo, nenhuma voltando, sem carros, cachorros, sem gatos – que nessas horas são normais de ser ver por ai a perambular em movimentos lentos e enigmáticos -, as casas pareciam todas abandonadas por seus donos – algumas luzes acesas, outras apagadas, mas em nenhuma um momento vivo de apagar, ou acender - como se estivessem à espera de uma inundação, de um quebrar de barragem, o segundo exato em que haveriam de morrer afogadas.
As casas já haviam sofrido demais por aquele dia por conta da água que viera de cima em pingos grossos, retos, quebrados perpendicularmente em suas telhas por cerca de 3 horas. A chuva havia parado há uma hora, e ele não precisou tirar o guarda-chuva da mochila, pois estava em aula enquanto acontecia o dilúvio, e quando saiu da faculdade, as nuvens já haviam se liquefeitas. Ele sentiu pena da moça ali ao lado. Ele observava o vapor quente que saia da boca toda vez que soltava o ar, encheu os pulmões o máximo que pôde e soltou vagarosamente formando uma risca longa de vapor que subia, subia, subia, feito avião que passa riscando o céu deixando rastro de fumaça branca que se apaga no decorrer das horas. O vapor ia subindo até que bateu no teto de alumínio. Ele com o olhar acompanhava no teto a reta imaginária que ligava um ponto, um parafuso, ao outro. A reta levou seu olhar até o canto direito – mais pro lado onde a moça estava – em um ponto em que a imaginação da reta se tornava curvilínea afim de desvia-la das pichações feitas com corretivo naquela região da chapa que os cobria. O corretivo, que era feito pra apagar, escrevia declarações de amor, corações, símbolos de anarquia, datas, palavrões, e ele lia todos com certo esforço pois alguns cobriam outros. Houve um em que perdeu algum tempo, não conseguia e nem conseguiu decifrar o nome da amada – “ Juliana eu te amo”? ou seria “ Poliana”? – em que no pingo do “ i “ havia um pingo d’água, um furo pelo qual o que restou da chuva passava gota por gota, e ele as via caindo no chão perto dos sapatos úmidos da moça, perto da sombrinha molhada, lhe causando pena pelo frio que ela a espera do ônibus, de cadarços desamarrados e pés gelados, sentia.
Olhou para o relógio no momento em que os ponteiros marcavam 23 horas e 10 minutos, e notou que desde o momento em que chegara ali no ponto, a moça que estava cabisbaixa em sua leitura com os cabelos castanhos soltos caídos nos ombros no rosto bochechas, só levantava a cabeça para olhar lá em cima no ponto mais alto da ladeira, permanecia o olhar lá por alguns segundos e então o trazia de volta descendo, até chegar no livro, que não mudava de página. Ele não entendia como em dez minutos de leitura, ainda não tinha visto na moça um gesto de folhear. Enquanto ela lia, ele a via, imaginava o rosto escondido entre os cabelos, que só podia ser visto quando ela se virava para olhar lá em cima. Tinha vontade puxar assunto, mas lhe faltariam as palavras, e mesmo que as encontrasse, lhe faltaria a coragem, e essa, não se acha assim em qualquer ponto de ônibus. Enquanto a olhava pensou que ela poderia ser sua namorada, amiga, inimiga, poderia ser lésbica, chamar-se Maria, Cecília, Penélope... ficou impressionado com o mundo-possibilidades de estórias que sua mente pôde inventar para aquela mulher, e ficou decepcionado pois não passaria de ficções, aquela a moça até aquele momento não passava de uma “ela” com rosto de anjo que lia, relia, cinco, dez, mil vezes, a mesma página de um livro, à espera de um ônibus, na qual ele queria transformar em “você”.
Nos 10 minutos que ainda tinha, em busca de uma distração, abriu o zíper da mochila, a mão tateava as apostilas e abria caminho até chegar no livro de bolso escondido no fundo da bolsa, puxou-o para fora, e a partir do parágrafo onde havia parado da última vez, deu seqüência a leitura. Quem sabe assim talvez o tempo passasse imperceptível, e ao levantar os olhos, aqueles 10 minutos já lhe fossem coisa do passado, o frio, aquela sensação de que toda rua, bairro, cidade, toda Minas Gerais havia se paralisado, se esgotasse ao passo em que a roleta do cobrador e roda do ônibus, girassem, fazendo o mundo, de novo girar.
No oitavo minuto, a atenção voltada pro livro foi quebrada com o farol e o som do ônibus, que como quem explora com tocha na mão o interior de uma caverna, lá de cima vinha descendo perfurando o silêncio e a escuridão que até então vigorava. Marcou a página, fechou o livro, o colocou ao seu lado na parte enferrujada do banco azul, e fez correr o zíper da mochila mais rápido que o busão descia. De novo através do tato, buscou a passagem no bolso lateral e a prendeu entre o indicador e o polegar enquanto se levantava e ajustava a alça nos ombros. De pé, cabeça baixa, no chão viu a sombrinha, da moça também em pé.Quando pensou que ela poderia esquece-la para que ele a entregasse quando dentro do busão, e ela o agradecesse, ambos nas poltronas um ao lado do outro, ele perguntasse seu nome, e ela. Ela se agachou e se levantou com a sombrinha debaixo do braço.
A porta aberta na beira da calçada, pela primeira vez seu olhar cruzou-se com o dela, durante um segundo. Ele entrou primeiro, se equilibrando no corredor ia andando até se sentar, enquanto atrás vinha ela, sombrinha de baixo dum braço livro debaixo do outro, em passos lentos, que só não eram ritmados por causa do balanço do ônibus, um poste após o outro, uma poltrona após a outra, até chegar próximo dele, e sentar-se ao lado, lhe entregando o livro que esquecera na ferrugem do banco azul la no ponto, e logo em seguida, ela: Qual seu nome? .

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quinta-feira, 1 de maio de 2008


Desisto! Não dá mais! Já desisti tantas vezes João, mas agora é sério – ela dizia sentada no sofá, com a mão no rosto, rosto nos joelhos, joelhos em jeans, encharcado de lágrimas – Não consigo João, me desculpe por me desesperar assim, vir até aqui, até a sua casa as 6 da manhã, mas já te disse né? Não consigo dormir! mas você sabe, sabe bem, tanto quanto eu que, não consigo mesmo é estar acordada – eu realmente o sabia, Marieta não dormia, seu pesadelo era estar acordada - João! Quinze anos! Quinze que não durmo, que não pisco. Por que preciso sempre estar tão alerta assim? Olhos-câmera ligados vinte e quatro horas por dia a testemunhar o que se passa aí fora, se onde mais há acidentes, fraturas, choques, colisões, traumas, é tão aqui dentro? Me responda Joãozinho! Heim? Te conheço há tanto tempo né não? Me conhece bem. Desde meus quinze e seus dezesseis compartilho junto a ti a tristeza do meu sono que não vem, e hoje, de novo estou aqui, nesse sábado, eu trinta você trinta e um, te acordando através de minha insônia. – Marieta já havia tentado pílulas, psicólogos, médicos gerais, tarô, numerologia, curso de russo, matemática, até as aulas que mais dão sono, aquelas que se fazem pra tirar carteira de motorista, até essas, mas é difícil cerrar os olhos de Marieta.- Olha Joãozinho, me desculpe... - me disse olhando nos olhos, e que olhos tímidos tinha Marieta, alguém com olhos tão cheio de olhares, que lutava pra esconder a timidez atrás das cortinas feitas de pálpebras. Olhos grandes, arregalados, mas tímidos, de uma escuridão profunda, molhados de lágrimas, de sal, como era doce olhar seu olhar -... me desculpe mesmo, viu Joãozinho, não vou mais tomar seu tempo, roubar teu sono, são seis horas da manhã de um sábado que sucede uma sexta-feira de muito trabalho teu, preciso ir, precisa dormir. – levantou do sofá, veio até mim no sofá que estava de frente ao seu, beijou minha bochecha esquerda, quando sinuou que fosse embora, voltou e lambeu meus olhos, os contornos das pálpebras inferiores e superiores – me desculpe de novo Joãozinho, faz quinze anos que meus olhos só me dão paladares lacrimais, quando vi tuas remelas não agüentei, Joãozinho. Quando criança, pequenina, meu prato preferido era remelas de uma longa ou curta noite de sono, bem ou mal dormida, mas ainda sim, de sono. Vou indo embora João... – levantei, peguei Marieta pelo braço, sem falar nada pedi que sentasse novamente no sofá, sentou, sentamos, sua cabeça em meu ombro, sentimos. – Marieta ... – peguei sua mão direita, e a acariciava, sentia os ossinhos, veias, cicatrizes, unhas grandes, esmalte descascado... , era como se os detalhes ali é que fosse crucial, cada átomo por si só era uma pontuação, uma entonação diferente do que eu pretendia dizer, mas não sabia o quê, leria o que sairia de minha boca nas linhas tortas de suas mãos. Eu precisava dizer algo, faze-la me sentir ali naquela hora, era algo que queríamos e precisávamos ambos, eu e ela. – Marieta, você já leu sobre aquelas curiosidades que dizem que se somadas as horas de sono de um ser humano ao decorrer de sua vida, totaliza sei lá quantas mil horas? Não sei ao certo se são mil, mas são tantas... – Marieta, ali ao meu lado, não disse nada, continuou a brincar com meu anelar e me ouvir -...então, já pensou se você ao contrário de nós que dormimos tantas horas divididas no decorrer da vida, receberá todas suas sei lá quantas mil horas de sono de uma vez só? – Marieta se levantou, sorriu pra mim e para si, beijou meu rosto, tirou um restinho de remela que sobrara no meu esquerdo com o indicador e foi em direção a porta como quem vai sem volta, voltou os olhos pra mim e disse:
– ‘de uma vez só’ ou ‘de uma vez, só’, João?
– Você quem escolhe Marieta.
– Quero ambas.
Marieta saiu, assim, fechou a porta, os punhos, os olhos, e dormiu dali de fora, pra dentro. Só, de uma vez só.
Ao voltar pra cama, pois ainda eram quase sete horas. Sem remelas, sem Marieta, sem sono, no meio do caminho, desisti.



Posted by Postado por Gian Carlo às 00:23
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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008


Esse meu telefone que não toca, e nunca tocou. Esse azul, aqui ao meu lado, que há cinco dias mirei entre tantos outros de tantas cores, e disse, esse é meu. E o trouxe pra casa, lhe dei espaço na mesinha de mármore, lhe dei linha, um número, e lhe daria o que mais lhe fosse preciso pra quebrar esse silêncio, que como orvalho das seis da manhã espalha pela grama gotículas que gelam, úmidade e frieza, esse silêncio, que nasce do carpete e deságua no teto, esse, que reina aqui dentro, e o telefone não toca.
Cinco dias, cinco! mas se fossem três ou quatro, eu até suportaria, como suportei há um ou dois dias. Mas cinco!, cinco não aguento, cinco não, não toca.
Tantos dias e desconheço a voz de meu telefone, desconheço as vozes que se escondem por detrás dele. Nem um trote, nem uma ligação por engano, nem telemarketing, nem nada, nada. Permaneço aqui, sentado, com a mão no gancho, ansioso, de olhos fechados, sinto na palma da não o fio em espiral, o azul, sinto a cor, que atravessa a epiderme, carne, veias,artérias, e mescla-se ao vermelho do sangue, ferve. Azul e vermelho, agora roxo percorre todos meus vazos sanguineos, roxo de hematoma. É hematoma liquido que dói dentro.
Mas não são cores de que preciso, nem tato, é audição, é o grito, o de independência. Não grito meu, nem seu, mas dele, o telefone. Que não toca.
O grito é de liberdade. O sujeito é do telefone, predicativo... meu. Minha liberdade.
Não precisa ser alto, nem baixo, nem seco, nem úmido. Nada exijo, só preciso que toque, me bata, abale toda essa estrutura de muralha que herméticamente me fecha.
Talvez ninguém me ligue porque a ninguém revelei o número, nem a você o revelei. Ou revelei? Não sei, não sabemos. Não sabemos também porque te conto essas coisas, você bem que podia me ligar, fazer vibrar minha casa num triiiiimmmmmmmmmmm!... ou seria Bipp Bipp... ou seria ... ou ... ou.
Prometo que ao tocar, eu paro esse desabafo, paro tudo, tudo! inclusive o telefone. Que agora toca, tocando, tocando... claro que não o atenderei, o deixarei assim, gerúndio, é só disso que preciso. Tirarei a mão do gancho e me concederei essa dança, ao som desse telefone que agora toca, mas nunca tocou essa música, que não sei a partir de qual telefone , do outro lado da linha, que um dia esteve também entre tantos outros de tantas cores, que alguém chegou e disse, esse é meu; me tocou.

Posted by Postado por Gian Carlo às 12:12
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terça-feira, 29 de janeiro de 2008


*não gosto desse texto, mas como foi o primeiro daqui, aqui ele permanece, e o permito ser.

Acordei com o barulho do despertador. 6:45 da manhã, hora de levantar e ir aprender espanhol. Deitado na cama, não mais um corpo é o que aparento ser,nessa hora sou uma barra de ferro única, sem membros de apoio pra me levantar e me levar ao botão que cessa o despertador. No rosto gelado, marcado pelos lençois da noite, os indicios de quem precisa ficar mais no colchão só não são mais fortes do que a coragem de um suícida ao apertar o gatilho, e talvez a palavra certa aqui nem seja coragem, e com certeza a palavra ali não é talvez.
Estico o corpo sobre toda a extensão do colchão, viro de bruço, me encolho de lado, abraço as pernas, retorno a barriga pra cima, abro os braços, e por último, como último ato antes de me levantar; os olhos. Olho pro lado e vejo: um senhor de terno marrom, gravata, sapatos que ja pareciam ter pisado em cada milímetro de chão que reveste o planeta, uma maleta nas mãos e um cigarro que ainda queimava grudado no beiço. Era tudo velho, o próprio senhor, tudo o que carregava saíra de um brechó, pensei: inclusive o cigarro. Ele dentro de meu quarto, que num estalar de dedos, calou a sirene do despertador que ainda tocava.

- Quem é você? - perguntei surpreso, mas calmo.
- Sou seu anjo - ele disse, dando passos de um lado para o outro enquanto os olhos seguiam o geso que acompanhava o perímetro do quarto.
- Então quer dizer que meu anjo fuma? - perguntei.
- Sim. - e num gesto extendeu a mão me oferecendo um cigarro do além.
Pensei em dizer-lhe que como meu anjo, não era apropriado me oferecer um cancer a longo prazo. Mas até então seu comportamento soava tão excêntrico, mais parecia o diabo que um anjo, Deus não era. Que deixei seu gesto no esquecimento, sem resposta, apenas no silêncio da manhã que dizia 'eu não fumo'. Retornou o cigarro ao maço, o maço ao bolso.
- Bom, você não vai à aula hoje... - esperou alguns segundos pra justificar a frase, enquanto o olhar ainda dava voltas no perímetro do quarto verde, e prosseguiu então - ... você não vai a aula hoje, porque não. Não faz sentido eu te ensinar os verdadeiros porquês de minha visita, te farei dormir denovo, e quando o despertador te despertar, de nada lembrará, e nem de minha existência terá conciência.
- Ora, pois então me conte, amanhã não me importarei com meu passado. O que me importa é o aqui e o já. Me diga, me diz, me conte, esse segredo tão segredo que nunca contarei a ninguém, pois esquecerei o segredo que guardei, esquecerei que guardei, esquecerei que esqueci.
- Não.
Não ousei questionar mais. Sua última palavra veio em tom incisivo me retirando o direito de réplicas. Ao meu lado, ele de pé e eu deitado, me olhava nos olhos, o olhar era recíproco e durou o mesmo tempo que o cigarro levou pra chegar quase ao filtro. Olhou pro cigarro, sorriu, tacou a ponta que restava no meu rosto e apagou a brasa com a sola dos sapatos, arrastando na minha cara fazendo-a ferver. E disse: Bom Sono.

Posted by Postado por Gian Carlo às 12:50
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