domingo, 1 de junho de 2008


Em 1 hora de desabafo, vale salientar o trecho:
"... quero ir embora. ‘pra onde’?,você quis dizer ‘de onde’, certo? Quero ir embora daqui, pra um lugar que não seja aqui. E não me importa pra onde o trem me leve, irá junto dentro da mala essa minha vontade de sempre querer ir embora. Você sabe,taí na ficha em suas mãos, sempre foi assim,e ainda o é: rodo o mapa do Brasil inteiro sem nunca me fixar em parte alguma, sou eterno fugitivo de mim mesmo, e nunca quis ir-pra-lá, a questão é sempre sair-daqui. Do que fujo? Quando saí de São Paulo achava que dos meus pais e da fobia social; Curitiba achava que da solidão que era enxergar em um felino de nome Tico, a única aproximação afetuosa possível com algo vivo; Florianópolis, o absurdo que era de segunda a sábado ter que mandar duas carreiras no café da manhã, pra agüentar a temperatura baixa, o patrão no meu ouvido, e a dor na coluna no fim do dia por conta da cadeira sem encosto, na qual eu fazia vibrar a máquina de escrever sob minhas mãos tremidas de frio. Mas o difícil de assumir ao relar os sapatos no primeiro degrau do vagão, é que do que sempre fuji, não da pra esquecer na estação: eu. Eu sei que é me iludir pensar que, ao chegar em casa, abrirei um mapa, escolherei um ponto, e comprarei no guichê, a chave dessa algema que me prende onde estou, não importa onde esteja. E é por isso que estou aqui, doutor. Aos 30 anos, me curar dessa fase adolescente que com 18 alguns já me diziam que com o tempo vai passar,vai passar, vai passar... E passou viu, passou-se os anos, os pastos, as vacas, e as araucárias, por todas janelas pelas quais entrava o vento que dava formas aos meus cabelos, por todas janelas pelas quais eu via la na frente a linha férrea ainda fria a espera da máquina que vinha,e la trás a linha férrea já quente com saudade do trem que foi."
Fez-se um silêncio, ouvia-se apenas o riscar do lápis do doutor, na ficha do paciente.
- Temos quanto tempo ainda doutor?
- Agora são exatas 9 horas, acabou o tempo,semana que vem você volta? mesmo horário, às 8?
- Sim.
- Certo, pode sair por aqui – abriu a porta lateral da peça onde estavam.
- Sairei.
Sete dias se passaram.
Enquanto acomodava-se na poltrona com os braços apoiados nas janelas do trem das 8. Através das cortinas do Centro Terapêutico de Porto Alegre, o Doutor via o rastro de fumaça negra revelando-se por de trás das araucárias

Posted by Postado por Gian Carlo às 23:10
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É que no meio do caminho, enquanto ia voltando pra casa, do outro lado da viela, ela eu vi. A moça que ultimamente não saía do meu pensamento antes de dormir, saía do bar acompanhada de dois homens e uma garrafa de vinho tinto que dispensava a taça e despejava o líquido, direto na boca. Onde iniciava a sua noite, terminava a minha: Rua 14 de Agosto. Não que eu esteja apaixonado por Cecília, mas é que ela me emprestou alguns livros aí, é mais velha, e já a vi escrevendo algumas coisas num caderninho, usa umas roupas, uns penteados, bagunçados conforme vive.Possui um jeito dela que quero pra mim, como amiga,lhe chamar de Ciça, gostaria de tê-la, assim, não sei, acho que um pouco mais por perto, mais em meus braços, em minhas fotografias, e meus segredos, dentro aqui, menos lá, d’outro lado da ruela de mão única, com ida, e sem volta.
Da penumbra do poste eu enxergava a luz nos seus olhos. O rosto vermelho resultado do álcool, saía dançando do boteco, saltitando sobre a sapatilha preta, um amigo de cada lado e braços entrelaçados, a marca de batom no bico da garrafa, a mancha do vinho no verde da saia, e eu no oposto sem saber se sentia mais ciúmes do barbudo da direita, do ruivo da esquerda, ou da garrafa.
Sumiram os três em busca de ruas mais largas sob o céu limpo do Vale do Paraíba, a espera do eclipse, que naquela noite aconteceria. E fiquei eu, no estreito do qual vou sendo, sem sono, de olhos abertos, luzes apagadas, dois travesseiros na nuca, e Cecília no teto, gira o vestido, entorna o vinho: senti o acre de vinagre, no nublado céu da minha boca.

Posted by Postado por Gian Carlo às 10:05
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