domingo, 16 de novembro de 2008


Parte 1.

Um helicóptero acompanha a linha do horizonte quase a tocar o mar daquele litoral, as hélices giram, o que permite ao piloto do corpo de bombeiros violar aquela lei nomeada gravidade. Nada de catastrófico aconteceu, se o piloto passa a uma velocidade baixa e a uma altura que não estamos acostumados a ver um helicóptero passar, é para que os dois salva-vidas que o acompanham possam observar mais de perto se existe a vida de alguém a se afogar nas ondas do mar, dois braços abertos pro alto e um grito de socorro, que vira e mexe, justifica o nome da profissão do herói que salta em pleno vôo, e se abraça ao dos braços abertos. De dentro do helicóptero, os dois que procuram qualquer coisa que seja motivo de alarme no mar, só enxergam o infinito das águas, e pra não se encontrarem hipnotizados pelo balanço do azul, às vezes lançam um olhar pro continente, vêem de relance uma aquarela de guarda-sóis mesclada ao branco da areia povoada por umas mãos que acenam. Tudo isso muito rápido, como uma vírgula que organiza a concentração do olhar, e de novo um azul imenso está refletido nos castanhos dos dois.
Nada sabem os que estão em terra firme o que no helicóptero se passa, nem por que passa. Os do continente, curiosos, pensam estar diante de um filme de ação, sentados na primeira fileira de um cinema, com a diferença de que ali, poltronas são substituídas por cadeiras de praia, a sessão é gratuita, não há censura, e a escuridão da sala é iluminada pelo sol, cujos raios das catorze horas não encontram obstáculo algum e vêm como flechas de pontas abrasadas a incendiar a pele dos mais claros. Colocasse alguém uma lupa entre o sol e uma carreira de dez formigas que marcham rumo ao açúcar que restou na madeira do picolé, e teríamos somada a areias milenares, uma dezena de grãos pretos diante do palito não alcançado.
Os do helicóptero, ocupados na sua tarefa de encontrar os que se afundam na água movediça, mal sabem que são astros de um filme imaginário que se passa na cabeça daqueles que acenam, em geral crianças, que se ocupam das mãos pra segurar o balde com uma e dar “tchau” com a outra, que possuem o sorriso, os dentes de leite, inigualável de uma férias de verão, desses que ficam registrados nas fotografias de uma época feliz. Crianças que não sabem que o herói de regata vermelha que risca o horizonte não cumpre nada mais que mais um dia da rotina de seu trabalho. Crianças que querendo ter o tamanho e a idade de seus pais, mal sabem que quando adultos, naquelas horas em que resolvemos tirar a teia de aranha dos arquivos da memória, com o álbum de fotografias nas mãos, o ato de folhear uma página e outra se interrompera em uma: a que tem um menino mostrando pra câmera um helicóptero que passou. E aí será inútil qualquer esforço que impeça algumas gotas de lágrima que caiam justamente na parte da fotografia que ficou registrado o mar.
Assim o helicóptero passou, borrifando e bagunçando as águas a seu redor, como se voasse baixo em um campo aberto despenteando os cabelos louros de um milharal. Lento e baixo, sem dar às crianças que assistiam, o clímax tão esperado que ocuparia várias linhas da redação que escreveriam quando a mão que segurava o balde, segurasse o lápis, obedecendo ao tema das férias, em dias de aula. Passou, e quantos meninos e meninas não diriam entusiasmados aos pais no fim da tarde, entre uma reclamação e outra porque a pele ardia, que quando fossem gente grande, pilotariam helicópteros. Vendo no horizonte apenas a linha que limita o céu e o oceano, e não tendo mais para quem nem para o que balançar os braços, as crianças de pé ali onde a água vira espuma, se voltaram todas de costas pro mar e retornaram para os castelos que haviam abandonado quando ouviram as asas de uma vespa gigante a vibrar no céu. Surpresas ,viram que a água havia se aventurado por terras a mais, e iniciaram de novo, juntas, a construção de vários reinos.

Parte 2

Algumas nuvens cobrem o sol presente naquele ponto do céu que todos os dias é esperado que lá esteja, sempre as dezesseis horas. O grupo de amigos que se juntaram no interior e tomaram o ônibus pro litoral somam nove, número ímpar, portanto alguém viajou ao lado de uma poltrona vazia ou de um desconhecido, improvisando diálogos e emendando assuntos, ou então, no caso mesmo de uma poltrona vaga, distraindo os ouvidos com a música do fone e os olhos com as curvas da serra, afinal, ninguém fala com o espaço onde deveria estar algum, mas com um, ser - humano. Esse alguém é Maria Clara, fez boa viagem, o estômago, que geralmente se comporta como um cão que não atura o sacode de um trem, nem sinal de vida dera no balanço do busão. Estômago dopado como se dopado estivesse aquele cão. Cinco pela escada e quatro pelo elevador – Quem chegar primeiro vence! – alguém gritou, e perdedores foram os que apostaram nas pernas, porque a eletricidade ganhou. Reunidos os nove no corredor, o que emprestava a casa girou a chave no trinco, e um por um com malas e tralhas nas mãos, entravam depois de passadas a sola dos sapatos no tapete, que mal dava boas-vindas no bordado verde já era pisoteado no limiar daquela porta que já a chave abriu. Conhecido os quartos, estendido os lençóis, sem ter mais o que retirar das malas, cada um teve na parte inalcançável das costas, o protetor branco espalhado pelas mãos do outro, e nos rostos, espalhado pelas próprias mãos. Era decisão dos nove, que os nove deveriam ir naquela hora ter o primeiro contato com a praia. E naquela hora desceram todos pro térreo, munidos de cadeiras e guarda-sol, loucos pra se encontrarem com a água. Enquanto iam caminhando, lá trás ficava no apartamento os objetos pessoais de cada um dispostos em cada canto da casa, a receber o vento que balançava a saia das cortinas. Um ladrão que ali entrasse, descobriria nos objetos, os segredos de cada um.

Posted by Postado por Gian Carlo às 14:17
Categories:

0 comentários  

 
>