terça-feira, 29 de janeiro de 2008


*não gosto desse texto, mas como foi o primeiro daqui, aqui ele permanece, e o permito ser.

Acordei com o barulho do despertador. 6:45 da manhã, hora de levantar e ir aprender espanhol. Deitado na cama, não mais um corpo é o que aparento ser,nessa hora sou uma barra de ferro única, sem membros de apoio pra me levantar e me levar ao botão que cessa o despertador. No rosto gelado, marcado pelos lençois da noite, os indicios de quem precisa ficar mais no colchão só não são mais fortes do que a coragem de um suícida ao apertar o gatilho, e talvez a palavra certa aqui nem seja coragem, e com certeza a palavra ali não é talvez.
Estico o corpo sobre toda a extensão do colchão, viro de bruço, me encolho de lado, abraço as pernas, retorno a barriga pra cima, abro os braços, e por último, como último ato antes de me levantar; os olhos. Olho pro lado e vejo: um senhor de terno marrom, gravata, sapatos que ja pareciam ter pisado em cada milímetro de chão que reveste o planeta, uma maleta nas mãos e um cigarro que ainda queimava grudado no beiço. Era tudo velho, o próprio senhor, tudo o que carregava saíra de um brechó, pensei: inclusive o cigarro. Ele dentro de meu quarto, que num estalar de dedos, calou a sirene do despertador que ainda tocava.

- Quem é você? - perguntei surpreso, mas calmo.
- Sou seu anjo - ele disse, dando passos de um lado para o outro enquanto os olhos seguiam o geso que acompanhava o perímetro do quarto.
- Então quer dizer que meu anjo fuma? - perguntei.
- Sim. - e num gesto extendeu a mão me oferecendo um cigarro do além.
Pensei em dizer-lhe que como meu anjo, não era apropriado me oferecer um cancer a longo prazo. Mas até então seu comportamento soava tão excêntrico, mais parecia o diabo que um anjo, Deus não era. Que deixei seu gesto no esquecimento, sem resposta, apenas no silêncio da manhã que dizia 'eu não fumo'. Retornou o cigarro ao maço, o maço ao bolso.
- Bom, você não vai à aula hoje... - esperou alguns segundos pra justificar a frase, enquanto o olhar ainda dava voltas no perímetro do quarto verde, e prosseguiu então - ... você não vai a aula hoje, porque não. Não faz sentido eu te ensinar os verdadeiros porquês de minha visita, te farei dormir denovo, e quando o despertador te despertar, de nada lembrará, e nem de minha existência terá conciência.
- Ora, pois então me conte, amanhã não me importarei com meu passado. O que me importa é o aqui e o já. Me diga, me diz, me conte, esse segredo tão segredo que nunca contarei a ninguém, pois esquecerei o segredo que guardei, esquecerei que guardei, esquecerei que esqueci.
- Não.
Não ousei questionar mais. Sua última palavra veio em tom incisivo me retirando o direito de réplicas. Ao meu lado, ele de pé e eu deitado, me olhava nos olhos, o olhar era recíproco e durou o mesmo tempo que o cigarro levou pra chegar quase ao filtro. Olhou pro cigarro, sorriu, tacou a ponta que restava no meu rosto e apagou a brasa com a sola dos sapatos, arrastando na minha cara fazendo-a ferver. E disse: Bom Sono.

Posted by Postado por Gian Carlo às 12:50
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